Já passava das nove horas da noite quando nos sentamos à mesa para jantar. Era mais um jantar de amigos, mas não de dois amigos quaisquer. Entre nós existia bem mais que uma amizade, mas mesmo assim insistiamos em manter essa fachada e dizer constantemente ''o meu amigo P...'' em alto e bom som para que quem nos rodeasse não ousasse confundir as coisas. Olhei para ti, enquanto servias o vinho branco que tanto apreciamos e o meu pensamento recuou seis meses atrás. Recuou até à noite em que tudo começou, tinhamos bebido demasiado na festa de aniversário do M, dizem que me foste levar a casa, não me recordo. Mas lembro-me perfeitamente (ou não fosse o àlcool ter perdido o seu efeito em mim) do momento em que acordei e te vi deitado a meu lado. Não foi como nos filmes, não houve nenhum berro estridente nem nenhuma cara assustada pedindo-te que fosses embora. Não. Toquei-te suavamente, não querendo ter nenhum contacto demasiado intimo contigo, e quando abris-te os olhos desejei-te calmamente um bom dia e perguntei-te o que fazias ali. Foi a partir desse dia que a nossa história começou. Bebiamos uns copos a mais e sabiamos que no outro dia acordariamos juntos, vezes e vezes sem conta. Com o tempo criamos uma relação que nenhum de nós saberia explicar ao certo, mas o álcool deixou de fazer falta para que tivessemos que ceder à atracção que existia entre nós. E isso assustou-me.
Nunca fui uma mulher de grandes histórias de amor, não sonhava casar e ter filhos não fazia parte dos meus planos. Sempre rejeitei relações que exigissem muito de mim, nunca me senti preparada para o desgaste emocional que uma relação pode trazer a quem a vive. As minhas amigas tinham dificuldade em compreender alguém como eu, em perceber o porquê de venerar a solidão em que mergulhei, em querer viver um dia de cada vez, sem planos nem compromissos. Eu também não as compreendia, não percebia como eram capazes de entregar a sua vida a uma relação, de dar tanto de si a construir algo que um dia lhes podia falhar. Já ninguém me pedia conselhos, sabiam a minha resposta óbvia, directa e crua Não estás feliz deixa-o de uma vez! Já dizia a minha avó que por morrer uma andorinha não se acaba a Primavera! E elas olhavam para mim indignadas por eu ser incapaz de compreender que aquele era o homem das suas vidas. Por mais que eu tentasse, não conseguia ser como elas. Crescemos juntas, e eu via agora as minhas amigas a noivar, a casar, a pensar em ter filhos. Enquanto eu continuava a viver sozinha, a não criar laços nem raízes. Por isso, e porque contigo as coisas não seriam diferentes, decidi que naquela noite teria que encontrar uma forma de te explicar quem eu era, para que não criasses em ti a ilusão de uma L que na verdade nunca existirá.
-P?
-Diz-me L, não está bom o arroz?
-Não é isso, está tudo optimo! Só que tive uma ideia!
-Qual?
-Vamos jogar a um jogo, que achas?
-Acho uma óptima ideia, mas qual?
-O jogo é simples, só tem uma regra.
-Que regra?
-Quem se apaixonar perde.
-Como assim?
-Se algum de nós se apaixonar pelo outro perde o jogo. E quem perder afasta-se.
-Esse é um jogo muito fácil para ti L, és a mulher pedra, não tens sentimentos.
-P, sabes bem que somos iguais! Estamos em igualdade de circunstâncias, portanto ninguém está a ser favorecido!
P levantou-se da mesa, foi em direcção ao sofá e vestiu o casaco dirigindo-se à porta.
-Onde vais?
-Embora. Já perdi, e as regras eram claras, quem perder afasta-se. Não é verdade L?
-Quando saíres fecha a porta.
Este é um blog de sonhos. Os textos aqui publicados fazem parte do universo imaginário de LL. No entanto, apesar de serem criados no imaginário, quantos deles não nascem na realidade? *
terça-feira, 18 de setembro de 2012
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Cuida de mim.
Ali estava eu, de malas e bagagens no meio da rua. Chovia e eu precisava de um sítio onde me abrigar. Olhei para ti, na esperança de te ouvir dizer que voltasse rapidamente para o carro, mas arrancaste descontraidamente e vi-te ir embora. Corri rapidamente em direcção ao café mais próximo, mas as malas atrasavam-me os movimentos e o guarda-chuva ameaçava fugir, tentado pelo vento. Quando finalmente alcancei o café, olhei para o espelho de moldura dourada que embelezava a parede da entrada e vi uma mulher de cabelos molhados e escorridos, com a maquilhagem borratada, as roupas humidas coladas à pele. Vi-me a mim, tal como me havias deixado ficar. Eu e os meus vinte anos certamente haviamos de encontrar uma qualquer maneira de voltar para casa que não implicasse atrasar os teus planos. Sentei-me numa mesa logo à entrada, não fazia grande questão de passear naquele estado pelo café e as malas não me ajudavam. Um senhor de meia-idade veio perguntar se desejava alguma coisa e eu pedi um café curto enquanto tirava um cigarro do maço. Pus o açucar no café, mexi e acendi o cigarro enquanto pensava numa alternativa para voltar para casa, lembrei-me que me tinhas dito para ligar a um amigo para me vir buscar. Disseste-o com o propósito de te dar um ar preocupado, para que o amigo que ia contigo não achasse que eras um namorado demasiado desleixado, deixando-me ali sozinha sem saber como ir para casa porque tinhas planos. E os teus planos eram de extrema importância. Não podias chegar atrasado ao jantar, que falta de educação! Ah, espera, mas deixares-me no meio da cidade com o objectivo de me desenrrascar e ir para casa... será certamente de alguém com berço! Tinha que parar com os devaneios e arranjar uma solução, teria tempo para choradinhos e esperneadelas quando estivesse finalmente no aconchego de minha casa. Abri a minha mala e tirei o telemóvel. Olhei assustada para o visor que não dava sinais de vida por mais que eu tentasse ligar o telemóvel. Percebi que não tinha bateria e aí soube o que sente alguém quando não tem alternativas, quando se esgotam as soluções. Tirei outro cigarro, era o último. Ali estava eu, sem tabaco, nem dinheiro, nem qualquer solução. De repente senti uma mão no meu ombro, virei-me e vi o J. Ele olhou para mim e viu a lágrima que naquele momento me escorria pelo rosto. Limpou-me a lágrima com carinho, sentou-se em frente a mim e disse-me:
-Que se passa? Porque estás aqui a chorar e nesse estado?
-Dá-me um cigarro.
-Tu sem tabaco? Agora é que não estou mesmo a perceber nada!
-Não tenho tabaco, não tenho dinheiro, nem como ir para casa! Estou encharcada e tenho fome e agora que já ouviste o discurso de coitadinha da tua ex-namorada dá-me um cigarro por favor!
Ele deu-me o cigarro e nenhum de nós disse nada. Ali estava ele, o meu ex-namorado. Quantas dores de cabeça me havia dado e o quanto eu gostei dele! Foram tantas as noites sem dormir, enquanto ele andava de bar em bar com uns e com outras. Quantas vezes eu soube das suas traições, das noitadas, das mentiras descaradas. Mas eu gostava dele e sabia que ele gostava de mim. Eu sabia que era verdade quando ele dizia que o maior sonho da sua vida era casar comigo. Mas também soube que não podia continuar com ele, precisava de paz e o J nunca teria tal coisa para me oferecer.
Subitamente ele quebra o silêncio e os meus pensamentos e diz-me:
-O teu namorado L? Onde está ele?
-Teve uns compromissos e deixou-me aqui. Preciso de ir para casa, levas-me a casa?
-Levo sim. Mas primeiro vai lavar a cara e tira esses restos de maquilhagem. Não precisas dessas coisas para nada! Quantas vezes terei que te dizer? És linda. E agora vai lá enquanto eu te peço uma tosta!
-Eu não tenho dinhei...
-Shiu! Eu estou aqui L, já não precisas de ter medo. Cheguei para cuidar de ti.
Comi a tosta, enquanto conversava com o J e me ria das suas piadas descabidas e pensava na sorte que tinha por ele estar ali. No fim levou-me a casa e eu dei-lhe um abraço, quando o soltei ele disse-me:
-Um dia vais perceber que há uma linha que separa o imbecil que eu fui contigo do imbecil que é o teu namorado. Porque eu estou aqui.
-Então fica.
-Fico?
-Fica comigo.
-Hoje? Estas com medo?
-Sempre. Eu preciso que cuidem de mim.
-Eu cuido L, eu cuido...
-Jura!
-Juro, pelos filhos que um dia vamos ter, que cuidarei sempre da mãe deles.
E uma lágrima escorreu pela minha face, desta vez não por me sentir perdida, mas por me sentir segura nos seus braços, e não nos teus, porque mesmo que um dia ele andasse por aí de bar em bar, se eu precisasse, eu sei que ele viria.
Ironias do destino? Talvez.
-Que se passa? Porque estás aqui a chorar e nesse estado?
-Dá-me um cigarro.
-Tu sem tabaco? Agora é que não estou mesmo a perceber nada!
-Não tenho tabaco, não tenho dinheiro, nem como ir para casa! Estou encharcada e tenho fome e agora que já ouviste o discurso de coitadinha da tua ex-namorada dá-me um cigarro por favor!
Ele deu-me o cigarro e nenhum de nós disse nada. Ali estava ele, o meu ex-namorado. Quantas dores de cabeça me havia dado e o quanto eu gostei dele! Foram tantas as noites sem dormir, enquanto ele andava de bar em bar com uns e com outras. Quantas vezes eu soube das suas traições, das noitadas, das mentiras descaradas. Mas eu gostava dele e sabia que ele gostava de mim. Eu sabia que era verdade quando ele dizia que o maior sonho da sua vida era casar comigo. Mas também soube que não podia continuar com ele, precisava de paz e o J nunca teria tal coisa para me oferecer.
Subitamente ele quebra o silêncio e os meus pensamentos e diz-me:
-O teu namorado L? Onde está ele?
-Teve uns compromissos e deixou-me aqui. Preciso de ir para casa, levas-me a casa?
-Levo sim. Mas primeiro vai lavar a cara e tira esses restos de maquilhagem. Não precisas dessas coisas para nada! Quantas vezes terei que te dizer? És linda. E agora vai lá enquanto eu te peço uma tosta!
-Eu não tenho dinhei...
-Shiu! Eu estou aqui L, já não precisas de ter medo. Cheguei para cuidar de ti.
Comi a tosta, enquanto conversava com o J e me ria das suas piadas descabidas e pensava na sorte que tinha por ele estar ali. No fim levou-me a casa e eu dei-lhe um abraço, quando o soltei ele disse-me:
-Um dia vais perceber que há uma linha que separa o imbecil que eu fui contigo do imbecil que é o teu namorado. Porque eu estou aqui.
-Então fica.
-Fico?
-Fica comigo.
-Hoje? Estas com medo?
-Sempre. Eu preciso que cuidem de mim.
-Eu cuido L, eu cuido...
-Jura!
-Juro, pelos filhos que um dia vamos ter, que cuidarei sempre da mãe deles.
E uma lágrima escorreu pela minha face, desta vez não por me sentir perdida, mas por me sentir segura nos seus braços, e não nos teus, porque mesmo que um dia ele andasse por aí de bar em bar, se eu precisasse, eu sei que ele viria.
Ironias do destino? Talvez.
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