segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Eu sei o que isso é, e não é amor.

Se lhe pedissem para se descrever, ela não o saberia fazer. Não se conhecia a si mesma, tendo diversas vezes quebrado princípios que orgulhosamente apelidava como seus. Era incapaz de conhecer os seus limites e frequentemente caia em depressão. Era instável, e essa instabilidade roubara-lhe muitas vezes a felicidade. Não tinha muitos amigos, mas estava constantemente rodeada de rostos conhecidos e caras que podiam não conhecer a sua história, mas sabiam o seu nome. Entrou no café, com o olhar pensativo, expressões vagas e olhou em volta. Encontrou finalmente P, sentado numa mesa ao fundo do café e dirigiu-se a ele, cumprimentando-o e sentando-se na cadeira à sua frente.

-Boa noite P, como estas?

-Boa noite L, bem e tu?

-Também.

A voz dela era suave, como que apagada, e a delicadeza com que se dirigiu à senhora que a atendera, pedindo-lhe um café, deixou P confuso quanto à mulher que tinha à sua frente. A L que ele conhecera, a L que fora sua namorada, não era a mulher de olhar perdido e voz cansada que ele via agora e mesmo tendo passado breves minutos desde a sua entrada no café, disso ele tinha a certeza.

-Fico contente que tenhas aceite tomar um café comigo. Mas conta-me, como estão as coisas contigo?

-Relembra-me o ponto em que deixaste de fazer parte da minha vida, para ver se encontro alguma coisa que te possa interessar ouvir...

-Acho que foi na altura da tua vida em que te decidiste atirar de cabeça a novos relacionamentos, ou tentativas disso...

-Porque eram amargos e cobardes.

P olhou para L com um olhar desaprovador, como que rejeitando a mulher em que ela se transformara quando o deixou. Ele sempre soubera, mas agora não restava qualquer dúvida, que depois dele ela não fora capaz de construir mais nada. Fizera diversos projectos, mas nenhum deles passou do papel. Não fora capaz de transformar numa história de amor nenhum dos relacionamentos que tentou manter. E o que mais o confundia era porque é que ela o fizera, porquê tentar? Exitou em perguntar, mas sentia-se demasiado tentado em tentar perceber o porquê de uma mulher que por si havia sido tão amada se entregar a relações que mais não fizeram do que apagá-la.

-Porquê L? Porquê tentar?

-Por medo, medo da solidão.

-Mas olha para ti agora! Estás sozinha, não conseguiste construir nada, não tens nada! Depois de mim não foste capaz de amar alguém... não és capaz!

P calou-se repentinamente, mal viu uma lágrima escorrer dos olhos tristes e apagados de L. Nunca a vira chorar, segundo o próprio dizia, nada era capaz de derrotar uma mulher pedra como ela. Percebeu então que ela estava frágil, que a pedra que tinha no coração se havia transformado num novelo que já havia dado tantas voltas que a apagava enquanto pessoa, enquanto mulher. Não fora capaz de dizer nada, não sabia lidar com a L que estava a conhecer naquele momento. L respirou fundo, tentou limpar as lágrimas disfarçadamente, como que numa tentativa de disfarçar a vergonha que sentia por alguém a ter visto chorar, e disse:

-Estou sozinha, demasiado habituada a estar sozinha, tão habituada que mesmo tendo a certeza que por diversas vezes podia ter construído algo não fui capaz. A solidão em que mergulhei prende-me a mim mesma, e gostava muito de te dizer que estou radiante de felicidade e que isso se deve a uma qualquer pessoa maravilhosa que entrou na minha vida, mas isso não aconteceu... (fez uma breve pausa para conter as lágrimas que ameaçavam sair disparadas) Ou se calhar até entraram diversas pessoas maravilhosas na minha vida mas eu sou capaz de destruir o mais bonito dos sentimentos que alguém nutra por mim.

-Não te destruas a ti mesma L, não depois de teres sido a mulher que já foste.

-Pára de falar de mim, não vim aqui para ser julgada. Porque me convidaste para este café? Para te sentires o herói da história da minha vida? Isso não vai acontecer, eu não preciso de ti nem dos teus conselhos. Vivi este tempo todo sem ti, se nalgum momento precisei de ti esse momento não é agora.

-Sabes porque te convidei para este café L, sabes? Porque ao longo deste tempo todo vi a mulher que amo a destruir-se, sem poder fazer nada... Posso ao menos dizer-te o quanto ainda te amo mesmo não te conhecendo mais? Estou aqui porque eu sei e tu também sabes que juntos conseguiriamos construir ainda mais do que aquilo que já fomos capazes.

-Não, estás aqui porque vês em mim aquilo que tanto temes, a solidão. Estás aqui porque estás com medo de acabar sozinho, como estás agora. Estás aqui porque pensas que me amas mas eu sei bem o que isso é, e não é amor... é medo. Mas não temas, aprendes a dar valor a muitas outras coisas, quando deixas de ter alguém que te dê valor a ti. Sabes, estás aqui porque no fundo somos iguais. Mas se calhar essa é a razão porque te amei a ti, e só a ti. E agora vou embora...

-L! Espera! Se achas que sou como tu, queres ver-me a afundar em relacionamentos fracassados, amargos, cobardes?!

Não houve resposta, apenas um virar de costas de L e um silêncio profundo, esse sim, amargo e cobarde.