quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Por amor

Ela era pintora, ele músico. Ambos amantes da arte. Em comum não tinham apenas anos de vida lado a lado, mas também sonhos e paixões.

-L, temos de falar.

L continuava concentrada no quadro que estava a pintar e nada dizia, então J insistiu:

-L, estás-me a ouvir? Temos que falar!

-Sim J, eu estou-te a ouvir, fala.

-Não estás a perceber, pára de pintar, é um assunto sério!

-Está bem J.

L levantou-se, puxou uma cadeira para junto de J e disse:

-Pronto, estou completamente atenta, até dos meus quadros já tens ciumes! - e sorriu.

-Eu não sei muito bem como te dizer isto, não há uma forma correcta de o fazer, quer dizer, pelo menos a mim nunca me ensinaram e duvido que de facto exista...- enquanto falava J mantinha os olhos fixos no chão.

-Que se passa? Porque não olhas para mim? Que conversa é essa?

-Eu quero que percebas o que te vou dizer, mas mais do que isso quero que depois do que eu te disser não me odeies.

-É claro que não te vou odiar, tu sabes que te amo.

Houve um longo momento de silêncio até que J disse:

-Eu trai-te.

L levantou-se repentinamente, atirou bruscamente com a cadeira e voltou-se de costas para J, permanecendo ali inerte, de cabeça baixa e soluçando compulsivamente. J não se mexeu, sentia-se congelado por dentro, não sabia como agir.

-Eu conheci a M no aniversário do R, não sei explicar o que aconteceu mas ela fascinou-me. Houve qualquer coisa nela que me atraiu, não sei explicar porque o fiz, nem porque o continuei a fazer mas...

-Poupa-me os pormenores! Há quanto tempo?- perguntou L enquanto tentava abafar o seu choro.

-Desde a tua viagem a Madrid.

-Gostas dela?- L continuava de costas voltadas, evitando encarar J.

-Sim, desculpa.

L voltou-se para J e deu-lhe um enorme estalo, gritando:

-Sabes o que é sentires-te humilhada? Sabes?!

-L, por favor, só te peço que tenhas calma. Não se escolhe de quem se gosta...

-Claro que não se escolhe de quem se gosta, porque se me dessem essa oportunidade eu não gostaria de um palerma como tu!

-Acalma-te por favor! Eu nunca quis ter-te faltado ao respeito, eu não consigo controlar tudo o que acontece comigo, eu sei que não merecias, eu sei, mas o que querias afinal? Que continuasse a enganar-te por ter pena ou medo de te deixar?

-Que fosses um homem, porque eu sempre fui uma mulher a teu lado.

-Eu sei, por isso mesmo estou a ter esta conversa contigo.

-Não, tu estás a ter esta conversa comigo porque queres que te deixe ser feliz com essa mulher qualquer que dizes amar. Faz o que quiseres, mas por favor, desaparece da minha frente que eu não consigo olhar para ti.

J levantou-se e dirigiu-se lentamente para a porta, antes de fechar a porta disse:

-Espero que um dia me consigas perdoar.

-E eu espero que um dia te façam tão infeliz como me estás a fazer a mim neste momento, e de preferência essa mulher que dizes amar.

J saiu, mal fechou a porta as lágrimas que contivera durante a conversa sairam disparadas, começou a vaguear pelas ruas desertas da cidade e ao longe ouviu alguém gritar:

-J! J!

Era P, o seu melhor amigo.

-Que se passa J? Eii, porque estás a chorar?

-Acabou tudo, disse à L que a trai, ela não vai mais conseguir olhar para mim.

-Não estou a entender! Traiste a L? Não acredito nisso!

-Não, não trai a L, sabes bem o quanto amo aquela mulher.

-Estás doido J? Então porque lhe foste dizer isso?

-Eu vou morrer a qualquer momento.

-O quê??

-Eu tenho um aneurisma, uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento, quando esse dia chegar não quero que a L esteja presa a mim. Não quero que ela não seja capaz de refazer a sua vida porque me perdeu inesperadamente. Quero que ela seja feliz, que encontre alguém que a faça feliz sem ter medo de no dia seguinte já não estar cá para ela.

-Meu Deus, não pode ser verdade.

-Mas é amigo, mas é. E a única coisa que te peço é que a L nunca saiba de nada disto. Nunca.

-Não podes fazer isso, é uma escolha que tem que ser ela a fazer, J não podes fazer isto!

-Já fiz, quero que ela seja feliz P, só isso. Não quero que ela viva como eu, não quero que ela tenha medo a cada hora que passa, ela não merece viver assim. Mais do que isso, ela não merece vir um dia a viver agarrada a recordações...

(...)

Por vezes atrás de uma dolorosa mentira, esconde-se uma cruel verdade.