Ali estavam eles, na esplanada a que outrora chamaram o sítio do costume, à hora que em tempos apelidaram de a mesma de sempre, mas desta vez por razões nunca antes mencionadas.
-Obrigada por teres vindo J.
-Não devia estar aqui M.
-Eu sei que é complicado perceber a atitude que eu tomei e...
-Não me digas que depois de me teres deixado um ano em vão à espera de qualquer notícia tua me decidiste pedir dez minutos de fama para te justificares!
-Não é bem isso, eu fui clara na altura, e gostava de ter bem mais do que dez minutos.
-Esperei um ano por este dia, acho que posso esperar meia hora...
-Sem ironias, só te queria pedir desculpa.
-Não, espera, repete por favor. Tu pedir-me desculpa a mim?
-Sim, desculpa ter-te magoado.
-A que devo esse pedido de desculpas mais atrasado do que correspondência em tempos de guerra?
-Eu percebi que não posso magoar as pessoas, percebi que não posso passar por cima de ninguém e...
-M, por favor, se decidires lançar-te em pedidos de desculpa retardados a todos os homens que magoaste na vida acho que podes fazer disso profissão a tempo inteiro!
-Pára! Não percebes que mudei? Não vou entrar nesse jogo de sarcasmo.
-Tu mudaste e eu também, por isso mesmo não esperes que aceite esse pedido de desculpa.
-Tudo bem, eu compreendo, só achei que deveria fazê-lo.
-Achaste bem, mas tenta com todos os outros otários que manipulaste, não vai funcionar comigo.
-Estás a ser cruel! Eu não manipulei ninguém, eu nunca te prometi nada! E peço-te que não me fales assim, porque eu também tenho sentimentos.
-Deve ter acontecido um milagre lá pela tua rua para alguém ter conseguido despertar sentimentos dentro de ti.
-Bem, acho que já disse tudo o que queria.
-Magoaram-te, não magoaram M? Magoaram-te e muito. Mais tarde ou mais cedo acabaria por acontecer, tu própria sempre soubeste como acabam as pessoas como tu.
-Sozinhas.
-Não, magoam a vida toda até se apaixonarem por alguém que normalmente é pior do que elas. Quando finalmente estavas disposta a fazer as coisas bem provaste do teu próprio veneno.
-A conversa acabou, posso ter provado do meu próprio veneno mas não faço questão de provar do teu.
M levantou-se, virou costas e foi-se embora. J fechou os punhos, num ataque de fúria contra si próprio que tentava a todo custo controlar. Esperou um ano por aquele dia, tinha pensado em mil coisas que lhe queria dizer, em mil formas de a fazer perceber que não houve um dia em que não tivesse pensado nela. Mas a mágoa acumulada durante todo esse tempo falara mais alto. Levantou-se, atirou com uma moeda para cima da mesa e correu pelo mesmo caminho que a vira partir na ânsia de a encontrar algures numa rua daquela cidade para finalmente lhe poder dizer eu desculpo-te, porque te amo mais do que alguma vez serei capaz de te odiar. Mas, tal como o ano que passara à espera daquele dia, a busca foi em vão, nem sinal da presença de M.
Exausto e desanimado sentou-se nas pedras da calçada e desejou, do fundo do coração, que a dor que M trazia no coração aliviasse e que ela não passasse por tudo o que um dia o fizera passar a ele.
Afinal, quem disse que está tudo no sítio certo?