Este é um blog de sonhos. Os textos aqui publicados fazem parte do universo imaginário de LL. No entanto, apesar de serem criados no imaginário, quantos deles não nascem na realidade? *
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Prometo amar-te
Lembro-me bem do dia em que te conheci. Estava atrasada, estacionei o carro apressadamente e tentava acelerar os passos. Mais uma vez em contra relógio. Lembro-me que alcancei o piso das chegadas e respirei fundo. Tinha que aprender de uma vez por todas a controlar o tempo para não me estar sempre a descontrolar a mim, pensei. Quando os meus olhos finalmente alcançaram o grande ecrã, percebi que de nada me havia valido tanto esforço, o voo deles tinha atrasado duas horas. Decididamente eu e os horários tinhamos assuntos pendentes, não havia outra explicação. Decidi então ir tomar um café ali mesmo, não fosse o tempo jogar novamente contra mim. Sentei-me numa mesa que me permitisse ver o grande ecrã, queria ter a certeza que quando o avião deles aterrasse eu estaria mesmo em frente à porta de desembarque para lhes dar um abraço. Tomava um café curto, enquanto olhava em volta, tentando abstrair-me. Foi aí que te vi. O teu porte altivo, o teu olhar sério e a tua pele escura chamaram a minha atenção. De vez em quando perco-me a olhar para alguém enquanto lhe atribuo uma vida criada na minha imaginação. Contigo foi diferente, não te estava a tentar criar uma história, apenas tinhas chamado a minha atenção de forma indecifrável. Caí de repente na realidade e decidi ir fumar um cigarro. Enquanto fumava pensei no estranho que era aquele homem completamente desconhecido ter chamado a minha atenção, logo eu que depois de ter vivido o maior de todos os fracassos começara a viver mergulhada na minha solidão. Foi aí que tu chegaste e interrompeste os meus pensamentos. Naquele momento fiquei apreensiva, mas a conversa fluiu tão naturalmente que em pouco tempo acho que ambos nos esquecemos que nos haviamos acabado de conhecer. Lembro-me muitas vezes daquele dia, sabes? Tenho a certeza que naquele dia me pareceste muito diferente do homem que hoje tenho a meu lado. Hoje, seria incapaz de te imaginar a abordar-me num aeroporto. Logo eu que gosto de pintar o cabelo de vermelho e fumar, quer dizer, gostava. Sabes que voltei a ter os cabelos castanhos por ti, não sabes? Também deixei de fumar, nunca gostei da forma desaprovadora com que olhavas para mim quando eu acendia o cigarro. Somos tão diferentes, acho que foi essa diferença que nos uniu. Tu um homem de armas, acabado de chegar de uma missão no Afeganistão, cujo maior propósito era salvar vidas e honrar a pátria. Eu uma sonhadora, completamente distraída, sempre cheia de ideias e planos e que ainda acredita que a justiça se deve fazer sem guerras nem armas. Quando nos conhecemos eu não tinha a percepção de quem tu realmente eras. Tu és um herói. És um herói para os soldados que comandas, um herói para a tua família e um herói para mim também. Não é fácil ser a mulher que te acompanha. Para te acompanhar, sabes quantas vezes me esqueço de quem eu sou? Para ser sincera, de vez em quando apetece-me perder novamente a postura, andar em contra relógio e fumar um cigarro com uma garrafa de champanhe na mão, descalça, correndo pela areia da praia. Mas não o faço, porque no dia em que aceitei ficar contigo eu sabia que eras um herói. Não é fácil amar um herói, às vezes gostava que despisses essa farda e fosses tu. Às vezes gostava que te libertasses desse dever para com a pátria. Eu sei que não o farás, apesar disso tu sabes porque reparaste em mim naquele dia, da mesma forma que eu mais tarde percebi porque me havias chamado à atenção. Eu representei-te a liberdade, o sonho, era isso que faltava em ti. Tu representaste-me a realidade, que eu evitava em mim. No dia do nosso casamento sei que estarei a dizer sim ao facto de ter que te dividir com a pátria. Provavelmente serei uma daquelas mulheres que aguarda em casa, com o coração nas mãos, o fim de mais uma missão. Não era assim que me imaginava, uma mulher com os pés tão assentes na terra, com uma postura intocável, a dividir o seu herói com um quartel, ou melhor, toda a pátria. Mas fá-lo-ei, da mesma forma que cedi com os cabelos vermelhos, com os cigarros e com tantos sonhos. Porque ambos sabemos que um de nós tem que ceder. Tu não, porque tu és um herói. Resta-me dizer-te que prometo amar-te em cada regresso a casa. Prometo amar-te em cada ausência tua, JS. *
sábado, 15 de novembro de 2014
Finalmente, uma carta para ti.
O motivo pelo qual te escrevo hoje é também o motivo pelo qual não te escrevi durante todo este tempo. Talvez não o tivesse feito antes por não perceber o que estava a acontecer à minha volta e talvez o faça hoje porque sei que esse dia nunca vai chegar. Não tenho resposta, mas já deixei de fazer a pergunta. Hoje, nada me impede de te escrever, a ti, um desconhecido que um dia jurei conhecer tão bem. Não sei se te lembras de mim, sinceramente acho que mesmo que nalgum momento por qualquer motivo eu te invada a memória, não me recordas como eu merecia ser lembrada. É triste, mas já não me entristece mais. Não sei em que parte da minha vida se pode encaixar alguém como tu, entraste decidido a mudar tudo, acabaste por fazer apenas uma bagunça e foste embora. Eu cá fiquei, entretendo-me a tentar encontrar um equilíbrio no meio de tanta desordem. Não soube bem por onde começar e custou-me a aceitar que a vida tinha fugido do meu controlo, foi um processo lento. Mais do que isso, foi solitário. Recusei-me a precisar de alguém, o velho truque de arranjar alguém que nos preencha o tempo, alguém que nos distraia e faça abstrair da confusão que encontraremos ao chegar a casa, não iria funcionar comigo. Contigo, ou melhor, depois de ti, percebi que eu tinha que bastar. E quando eu não chegasse, tentava de novo no dia seguinte, eu sou mais persistente que a vida. Obrigada por me teres ensinado isso, de uma maneira tão pouco justa, aprendi muito contigo. E por isso mesmo é mentira se disser que te esqueci, não se esquece alguém como tu. Não tens mais lugar no meu coração, mas o meu cérebro recordar-te-á sempre, quantas vezes forem precisas, para que eu mantenha sempre em mim guardada a maior de todas as certezas: não farei nunca aos outros aquilo que me fizeste a mim. Durante muito tempo jogaste psicologicamente comigo de uma maneira que hoje não sei destinguir o que vivemos de verdade do que não passou de mais uma mentira. Sei que não tens noção do quão psicologicamente desgastante isso é, porque tu não tens noção de nada. Há quem diga que não és humano, eu simplesmente acho que tu és pouco. És um homem grande e ao mesmo tempo tão pequeno. Tentar perceber esta história é demasiado confuso, tenho que me tentar explicar melhor. Não, acho que não tenho, porque não me interessa mais a pergunta. Quanto à resposta acho que nem tu a tens. E se algum dia me cruzasse contigo numa rua qualquer desta cidade e viesses ao meu encontro com a resposta, eu corria. As tuas palavras não me haveriam de alcançar. Não porque eu algum dia achasse que iria retroceder no processo, és um processo arquivado, mas sim porque eu não tenho mais nada para perceber. Esta já não é a minha história. No outro dia vi uma fotografia minha, foste tu quem tirou, aquele tinha sido um dia especial. Naquele dia eu imaginei-me com oitenta anos a teu lado. Estava disposta a cuidar de ti uma vida toda, porque acreditei nas tuas palavras e no meu coração. Se te pudesse pedir alguma coisa, pedir-te-ia que não partilhasses os meus sonhos com mais ninguém. Eram meus, tu podes ser de quem quiseres, mas eles não. E tu já não és a minha história, os meus sonhos já não te pertencem. Não lhes faças como um dia nos fizeste a nós, cuida bem deles, guarda o seu brilho contigo. Em troca prometo guardar bem os teus segredos. Assim me despeço com a certeza que não tinha no dia em que te deixei "fui ali ser feliz e não volto".
terça-feira, 4 de novembro de 2014
Um homem pouco inteligente
Se tu fosses inteligente podia até ensinar-te qualquer coisa. A questão aqui é que pessoas assim não aprendem. Tu és uma delas. Acho que olhas para uma mulher e vês uma panela. O problema começa quando conheces alguém como eu. Um dia chegas a casa e está o jantar por fazer. Aí percebes que algo mudou. Mas tu, que de inteligente não tens nada mas até demonstras uma esperteza qualquer, obviamente que não ficas sem jantar. Começas por jantar fora, não queres que digam por aí que és um troca panelas! Até que chega o dia em que percebes que não há nada como uma comidinha caseira e depressa encomendas um novo conjunto de panelas. Saiu-te caro este último, acho que pagaste o preço do ridículo. De qualquer forma, poupas uns trocos em restaurantes. Como te estava a dizer, o dia em que chegaste a casa e não encontraste a panela no fogão chegou. Naquela altura qualquer pessoa teria percebido que alguma coisa tinha que mudar, mas tu, como pouco inteligente que sempre foste, achaste que a solução seria jantar fora. Nada que te incomode, tasqueiro que é tasqueiro vai sempre comer umas moelas mesmo que em casa tenha gourmet. Sabes, não sou como as mulheres que procuras, tão pouco como as que encontras. Preferi deixar o jantar por fazer, sem mais demoras, não tive paciência para te tentar explicar o facto de que, para pessoas como tu, a comida podia um dia ser salgada. Mas agora dizes por aí que encontraste a melhor panela, deve ser daquelas modernices que cozinha sozinha. Espero bem que sim, pelo que tenho visto só tens comido fritos. Será que isso tem alguma orrespondência directa com o facto de também o teu cérebro estar completamente frito?! Bom, não divaguemos. Ficaria feliz que tivesses encontrado a melhor panela, triste por saber que há mulheres que não se importam de ser uma. Acho que gostam, cozinham e até aquecem mais tarde se decidires chegar atrasado. São opções de vida, não quero perder muito tempo a tentar compreender isso. A questão é, julgaste mesmo que também eu seria uma panela? Gosto até de cozinhar e nem me importo muito de esperar, o problema é que não se cozinha uma boa feijoada a quem andou à tardinha a comer rissóis de atum na tasca. Já agora meu querido, nunca olhei para ti como se fosses uma coisa, talvez também porque não servias para nada... Mas como te disse, tiveste azar em me encontrar, devias saber que para mulheres como eu nunca passarás de uma toalha de mesa, podemos até achá-la um encanto, mas depois de suja ninguém a quer ver mais.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Afinal, não é isso o amor?
Naquele dia ela vagueava sozinha pelas ruas da cidade, tentando abstrair-se dos fantasmas que à muito a perseguiam. Andava de loja em loja, escolhendo modelos, cores, tamanhos... É essa a solução que todas nós, mulheres, encontramos para os desgostos desta vida. Nada melhor que mimar-nos a nós próprias depois de um desgosto de amor. É isso ou chocolates. E chocolates todas nós sabemos que é um ciclo vicioso, sem fim e com graves consequências. Pelo sim pelo não mais vale dar um desfalque na conta bancária. Pelo menos não está ali, visível no espelho, a consequência do nosso acto não pensado. As pernas começaram a ceder e o pés já lhe doíam, por isso decidiu sentar-se num banco, ali mesmo, na rua comercial. Estava tão distraída a pensar num par de sapatos que havia deixado por comprar numa loja, que nem viu a senhora de idade que se aproximava:
- Posso ler-lhe a mão? - disse a senhora que se apoiava numa bengala para se conseguir manter em pé.
- Precisa de uma moeda? Deixe-me ver se tenho - disse L abrindo a carteira.
- Eu não quero dinheiro, quero ler-lhe a mão apenas. - disse a senhora de imediato.
- Ler-me a mão? Mas porquê? - L não conseguia perceber a pretensão da senhora.
- Porque acho que precisa.
L exitou, achava aquilo demasiado estranho, não gostava dessas coisas, nunca gostou do que não conseguia compreender. Mas cedeu. Num impulso de curiosidade. A senhora sentou-se e pegou-lhe na mão.
- Tem as mãos tão delicadas e suaves, que quem a vir nunca dirá o quão calejado está o seu coração.
L nada dizia, mantinha-se em silêncio, tentando perceber o que teria para lhe dizer aquela senhora que devia ter perto de oitenta anos, que estava desarranjada e parecia não se cuidar nem alimentar em condições, mas que no entanto não queria dinheiro, queria apenas poder ler-lhe a mão.
- Não devia lamentar-se pelo que perdeu, porque eu consigo ver aqui na sua mão que não perdeu nada. Nunca foi seu. A sua atitude é de louvar, nem toda gente consegue deixar para trás aquilo que nos contamina o coração. Tem uma força interior enorme. Por isso mesmo não se consuma com a escolha que fez. Ele nunca foi seu. Porque o que é seu ainda está para vir. Sabe, mulheres decididas e determinadas, mulheres com pulso como se costuma dizer, não são fáceis. Não são para qualquer homem. Elas precisam de ser estimuladas e não recalcadas. E você foi muito recalcada, demasiado até. Mulheres inteligentes que se deixam anular, isso não devia existir.
- Está a querer dizer-me que eu me anulei?
- Anulou e muito. Andou tanto tempo a ter pulso de ferro para com o mundo para depois se deixar levar perante a covardia de um homem. É isso que muitas vezes acontece com mulheres que sempre foram focadas e determinadas. Um dia deixam-se levar pela estupidez de um homem. Você sabe que ele é desfocado e já lhe provou não ter bom coração, não sabe?
- Sim, sei.
- Então que espécie de homem ou de amor pode ser esse? Mas não se preocupe minha querida, felizmente o destino tem melhores planos para si.
- Não sei se acredito muito nisso...
- Acredite. O destino vai trazer-lhe alguém que se a vir cair cinco vezes a vai levantar seis.
Naquele dia L ficou a pensar naquilo e na conversa que tivera com a senhora, mas nos dias seguintes esquecera-se completamente do sucedido.
Algum tempo depois ela veio a lembrar-se da conversa que havia tido com a senhora. Era um dia de chuva, L entrara no café e pousara o guarda-chuva logo à entrada. Dirigiu-se a uma mesa e sentou-se. De repente vê alguém aproximar-se:
- O que estás aqui a fazer? Eu disse-te que estou demasiado magoada para me conseguir aproximar de alguém. Quero estar assim, sozinha, não quero sofrer mais.
- Vou apenas sentar-me. Prometo que não falo. Não tenho pressas, eu espero o tempo que for preciso para que as feridas do teu coração sarem, porque quando estou perto de ti, sinto que temos a vida inteira.
Naquele momento ela lembrou-se da conversa, e pensou que talvez a senhora tivesse razão, o destino trouxe até si alguém que ela sabia que a ajudaria a levantar, quantas vezes fosse preciso...
Afinal, não é isso o amor? A mão que se estende quando o mundo nos empurra. E nunca o contrário.
sexta-feira, 23 de maio de 2014
Haverá sempre um caminho de regresso.
Tinha sido uma daquelas noites em que adormecera vencida pelo cansaço. Acordei tarde, nada que me incomodasse, sabia que aquele dia não ia ter fim quando percebesse que o que tinha acontecido não tinha sido apenas um sonho mau. Levantei-me a custo, tomei um banho para despertar do estado de inércia em que me encontrava e vesti o fato-treino. Quando descia pelo elevador olhei-me ao espelho. Aquela não era mais eu. Uma mulher de olhar perdido, sem um sorriso que a iluminasse e vestida para ir tomar café como se tivesse perdido o gosto em si. Pensei em voltar para casa, em tirar do armário um vestido que me desse um ar de bem com a vida e em calçar uns saltos altos. Os saltos altos fazem-me sempre sentir imponente. Desisti da ideia. É só um café, nem vais sair da rua de tua casa, pensei. O cansaço vencera-me mais uma vez. Sentei-me numa mesa ao fundo do café e pedi o meu habitual café curto na ânsia de despertar rapidamente daquele estado de apatia. Tirei da mala uma revista e comecei a ler, tentando abstrair-me do casal de namorados que discutia a continuidade da relação na mesa do lado. Estão a ser ridículos, foi o primeiro pensamento que me ocorreu. Numa fracção de segundos lembrei-me do quão ridicula eu já havia conseguido ser e decidi não julgar mais as conversas nas mesas alheias. Comecei a esfolhear a revista quando senti uma mão pousar no meu ombro. Olhei, surpresa por ver um rosto que em nada combinava ali, no café da minha rua. Não disse nada, tentava apenas assimilar a ideia da sua presença. -Boa tarde L! -disse. Demorei uns segundos a responder. -Boa tarde. O que fazes aqui? - A minha expressão era completamente acusadora, olhava desconfiada para ele, confusa até. -Pensei que não me ias dizer boa tarde. -disse. -Má educação nunca foi comigo. Estou apenas surpresa por te ver aqui. - respondi. Ele puxou uma cadeira e sentou-se. -Também não esperava ver-te. Moras por aqui? -Sim. - respondi. Houve um momento de silêncio. O silêncio sempre me incomodou. Comecei novamente a esfolhear a revista fingindo-me interessada no seu conteúdo até que ele quebrou o silêncio e disse - Vim aqui a trabalho. Espero não ter sido indelicado por me ter sentado. -Não, é apenas estranho ver-te sentado na minha mesa e para além disso no café da minha rua. -respondi eu prontamente. -Se calhar é o destino. -disse, sorrindo. Sorri de volta, achei simpática a forma como o disse. -Não me parece que o destino nos queira juntar, pelo menos o meu espero que tenha melhores planos para mim! -disse eu em tom de brincadeira. - O que tem o café? Tudo bem que não tem uma vista panorâmica mas aquele piano ali até dá um ar romântico. - disse ele de forma séria. Soltei uma gargalhada. Naquele momento a minha cabeça foi invadida por pensamentos. Ele era sem dúvida uma pessoa alegre, sempre fora. Com o passar dos anos já me havia esquecido do lado dele pelo qual eu me havia apaixonado em tempos que já lá vão. - Vejo que continuas engraçado. Acho que te devo agradecer esta gargalhada, estava a precisar. - disse eu. - Não me pareces bem L. Quero eu dizer, não conheço bem a L que és hoje, mas vendo-te assim, pareces-me abatida.-disse ele quebrando o tom de brincadeira que a conversa começara a ter. - Não sabia que te ia ver, se não nunca te receberia de fato-treino. -disse eu sorrindo. - Há coisas que nunca mudam! Continuas a usar o teu sentido de humor para fugires à conversa. - Naquele momento senti que o meu segredo de anos tinha sido desvendado em segundos. - Não é isso, apenas não quero falar sobre assuntos que não têm assunto e... - Fui interrompida pelo gesto da sua mão que pedia para eu parar. - L, não te quero pressionar a falar. Acho apenas que não estás bem e apesar de tudo fico sentido por ver-te assim. A maneira como a nossa história terminou não foi bonita, e eu fui muito incorrecto contigo. Mas, visto que o destino me deu esta oportunidade e posso nunca mais voltar a ter outra, há uma coisa que gostava que soubesses... Homem nenhum neste mundo merece que estejas assim, porque nunca será homem quem é capaz de te deixar nesse estado. Eu fui incorrecto contigo, mas sei perfeitamente que seguiste sem qualquer dificuldade. Eram outros tempos, ainda não tinhas idade para levar as coisas tão a sério. Mas hoje, hoje uma mulher como tu jamais se pode deixar cair. Tenho pena que alguém te tenha magoado a este ponto. - disse ele num tom que me soou a revolta. - Eu também. - Prossegui eu, conseguindo desta vez dizer alguma coisa. - Não sei se me sinta desiludida com a vida ou comigo. Sei que não estava preparada para perceber quem é quem neste mundo. -disse eu de olhos lacrimejantes. -Nunca estamos L. As pessoas estão constantemente a surpreender-nos. No fim, tens sempre que descobrir o caminho de regresso a casa sozinha. Não respondi. Fiquei uns minutos a pensar nas suas palavras. Nunca pensei que ele tivesse alguma coisa para me ensinar um dia, logo ele e ali, no café da minha rua. - Eu sei - disse eu - ainda estou na fase em que tento perceber qual o caminho mais fácil até casa. - Esse caminho só tu o poderás descobrir L, mas eu posso ajudar. Que tal ires vestir um vestido alegre e calçar uns saltos altos para irmos jantar e dançar até amanhã de manhã? Adoro ver-te de saltos altos, dão te um ar imponente! - disse ele olhando de forma carinhosa para mim. As suas palavras fizeram-me sentir em casa, ele sabia bem quem eu era.- Se soubesse tanto quanto sei hoje ter-te-ia pedido em casamento. - disse eu.
《Naquele dia eles dançaram até ao nascer do sol. Esgotada pelo cansaço ela tirou os saltos altos e adormeceu no seu colo, mesmo ali, num banco de jardim. Antes de fechar os olhos sentiu o conforto do seu colo e pensou que afinal até gostava do silêncio. Naqueles segundos em que os seus olhos ainda não tinham fechado ela percebeu que já havia encontrado o caminho para casa. Talvez até nem fosse o melhor, mas era sem dúvida o mais fácil.》
terça-feira, 13 de maio de 2014
Uma questão de coração.
Nunca consegui escrever sobre ti. Eras tão meu e o mundo tão nosso que não conseguia encontrar nas palavras uma perfeita correspondência com a realidade. Hoje consigo. Consigo dizer mais do que o meu pequeno coração é capaz de ouvir. Ele queixa-se. Pede paz. Pede-me para parar. Diz-me que não suporta este ritmo acelerado, que são demasiadas emoções para quem um dia sentiu tanto. Eu compreendo-o. Naquela altura as coisas eram diferentes. O coração acordava calmo e sem pressas. Naquela altura os dias passavam a correr. Aquele era o tempo dos abraços. Um abraço e estava tudo bem. Hoje as coisas mudaram. Nunca é tarde para mudar mas é sempre cedo de mais para preparar o nosso coração para as amarguras desta vida. Ele deu tudo, não estava preparado para a decepção. Não temas, pode moer mas não mata. Leva tempo para perceber que nem todas as pessoas têm um coração, claro que leva. Nós, inocentes, achamos que caimos num buraco. Parece frio lá, está escuro. É um lugar assustador esse. E é nesse momento que achamos que só quem nos atirou para lá nos pode estender a mão e trazer-nos de volta. Maldita mania humana de achar que a dependência faz alguém feliz. Quem te faz bater no fundo nunca te irá lá buscar. Se for, isso terá um preço. Um preço muito alto. Vais voltar a cair quantas vezes essa pessoa que se esqueceu do coração numa outra casa qualquer que não a tua, te quiser empurrar. É dessa forma que julgas um dia vir a ser feliz? Tens que compreender que nem toda a gente é como tu. Somos todos diferentes. Tu tens coração, há quem não tenha. Dizem que ainda há bons corações por ai. Eu sei que há. Às vezes estamos tão preocupados em fazer de alguém uma pessoa melhor que nos esquecemos que no fim ela vai continiar igual mas apenas com uma única diferença. Vai conhecer todos os cantos do nosso coração e vai conseguir transformar a nossa melhor qualidade no nosso maior ponto fraco. Mas nem todas são assim. Ainda há boa gente neste mundo. E tu podes não conseguir mudar o mundo, mas todos os bons corações juntos farão a diferença.
A todos os bons corações que fizeram a diferença, obrigada.
A todos os bons corações que não fiz a diferença, arrependimentos sinceros.
Eu ainda acredito que um dia bons corações conquistarão o mundo.
domingo, 2 de fevereiro de 2014
Solidão acompanhada
Era uma noite que já se adivinhava fria, mas nunca o seu pequeno coração imaginaria que naquela noite sentiria a mais fria das solidões. Da janela do quarto que não lhe pertencia, nada lhe era famliar e ao seu lado encontrava-se um corpo adormecido, completamente alheio ao seu choro abafado. Ele não queria saber, dividiam a mesma cama mas para ele isso era uma mera questão de espaço e organização. Afinal as pessoas têm que caber nalgum lado. Eram namorados, daqueles casais que ficam bonitos nas fotografias. Daqueles casais em que ela abafa o choro porque o ama e ele, completamente desinteressado, cai num sono profundo. É um contra senso. Logo eles que ficam tão bonitos nas fotografias. Acho que ela atravessaria o deserto por ele, mas ele era incapaz de acalmar o seu choro. Fazia-a sentir-se ridícula. Logo a ela, que fica tão bem ao seu lado nas fotografias. Se lhe pedissem para explicar o vazio que ela sentiu naquela noite, ela não o conseguiria fazer. Sentia que tinha que fazer alguma coisa por ela e pela primeira vez tinha que ser capaz. É dificil pensarmos em nós depois de tanto tempo sempre a pensar em alguém. Ela mais não era do que uma prisioneira deste amor. A porta da liberdade estava aberta, mas ela sentia que era uma mulher demasiado ridícula para ter coragem de o fazer. Fora ele quem a fizera sentir-se assim. Ele, nunca o amor. Naquela noite ela devia ter vestido o casaco e devia ter ido embora. Mesmo não sabendo para onde. Não há pior solidão do que a que sentimos quando estamos acompanhados. Ela não devia continuar ali. Ela que é tão bonita tiraria uma nova fotografia, quem sabe não ficasse ainda melhor. Mas ela mesma soube naquela noite que continuaria sozinha a chorar...
Porque assim tinha escolhido e há fotografias que não vão a tempo de se apagar.
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