sexta-feira, 23 de maio de 2014

Haverá sempre um caminho de regresso.

Tinha sido uma daquelas noites em que adormecera vencida pelo cansaço. Acordei tarde, nada que me incomodasse, sabia que aquele dia não ia ter fim quando percebesse que o que tinha acontecido não tinha sido apenas um sonho mau. Levantei-me a custo, tomei um banho para despertar do estado de inércia em que me encontrava e vesti o fato-treino. Quando descia pelo elevador olhei-me ao espelho. Aquela não era mais eu. Uma mulher de olhar perdido, sem um sorriso que a iluminasse e vestida para ir tomar café como se tivesse perdido o gosto em si. Pensei em voltar para casa, em tirar do armário um vestido que me desse um ar de bem com a vida e em calçar uns saltos altos. Os saltos altos fazem-me sempre sentir imponente. Desisti da ideia. É só um café, nem vais sair da rua de tua casa, pensei. O cansaço vencera-me mais uma vez. Sentei-me numa mesa ao fundo do café e pedi o meu habitual café curto na ânsia de despertar rapidamente daquele estado de apatia. Tirei da mala uma revista e comecei a ler, tentando abstrair-me do casal de namorados que discutia a continuidade da relação na mesa do lado. Estão a ser ridículos, foi o primeiro pensamento que me ocorreu. Numa fracção de segundos lembrei-me do quão ridicula eu já havia conseguido ser e decidi não julgar mais as conversas nas mesas alheias. Comecei a esfolhear a revista quando senti uma mão pousar no meu ombro. Olhei, surpresa por ver um rosto que em nada combinava ali, no café da minha rua. Não disse nada, tentava apenas assimilar a ideia da sua presença. -Boa tarde L! -disse. Demorei uns segundos a responder. -Boa tarde. O que fazes aqui? - A minha expressão era completamente acusadora, olhava desconfiada para ele, confusa até. -Pensei que não me ias dizer boa tarde. -disse. -Má educação nunca foi comigo. Estou apenas surpresa por te ver aqui. - respondi. Ele puxou uma cadeira e sentou-se. -Também não esperava ver-te. Moras por aqui? -Sim. - respondi. Houve um momento de silêncio. O silêncio sempre me incomodou. Comecei novamente a esfolhear a revista fingindo-me interessada no seu conteúdo até que ele quebrou o silêncio e disse - Vim aqui a trabalho. Espero não ter sido indelicado por me ter sentado. -Não, é apenas estranho ver-te sentado na minha mesa e para além disso no café da minha rua. -respondi eu prontamente. -Se calhar é o destino. -disse, sorrindo. Sorri de volta, achei simpática a forma como o disse. -Não me parece que o destino nos queira juntar, pelo menos o meu espero que tenha melhores planos para mim! -disse eu em tom de brincadeira. - O que tem o café? Tudo bem que não tem uma vista panorâmica mas aquele piano ali até dá um ar romântico. - disse ele de forma séria. Soltei uma gargalhada. Naquele momento a minha cabeça foi invadida por pensamentos. Ele era sem dúvida uma pessoa alegre, sempre fora. Com o passar dos anos já me havia esquecido do lado dele pelo qual eu me havia apaixonado em tempos que já lá vão. - Vejo que continuas engraçado. Acho que te devo agradecer esta gargalhada, estava a precisar. - disse eu. - Não me pareces bem L. Quero eu dizer, não conheço bem a L que és hoje, mas vendo-te assim, pareces-me abatida.-disse ele quebrando o tom de brincadeira que a conversa começara a ter. - Não sabia que te ia ver, se não nunca te receberia de fato-treino. -disse eu sorrindo. - Há coisas que nunca mudam! Continuas a usar o teu sentido de humor para fugires à conversa. - Naquele momento senti que o meu segredo de anos tinha sido desvendado em segundos. - Não é isso, apenas não quero falar sobre assuntos que não têm assunto e... - Fui interrompida pelo gesto da sua mão que pedia para eu parar. - L, não te quero pressionar a falar. Acho apenas que não estás bem e apesar de tudo fico sentido por ver-te assim. A maneira como a nossa história terminou não foi bonita, e eu fui muito incorrecto contigo. Mas, visto que o destino me deu esta oportunidade e posso nunca mais voltar a ter outra, há uma coisa que gostava que soubesses... Homem nenhum neste mundo merece que estejas assim, porque nunca será homem quem é capaz de te deixar nesse estado. Eu fui incorrecto contigo, mas sei perfeitamente que seguiste sem qualquer dificuldade. Eram outros tempos, ainda não tinhas idade para levar as coisas tão a sério. Mas hoje, hoje uma mulher como tu jamais se pode deixar cair. Tenho pena que alguém te tenha magoado a este ponto. - disse ele num tom que me soou a revolta. - Eu também. - Prossegui eu, conseguindo desta vez dizer alguma coisa. - Não sei se me sinta desiludida com a vida ou comigo. Sei que não estava preparada para perceber quem é quem neste mundo. -disse eu de olhos lacrimejantes. -Nunca estamos L. As pessoas estão constantemente a surpreender-nos. No fim, tens sempre que descobrir o caminho de regresso a casa sozinha. Não respondi. Fiquei uns minutos a pensar nas suas palavras. Nunca pensei que ele tivesse alguma coisa para me ensinar um dia, logo ele e ali, no café da minha rua. - Eu sei - disse eu - ainda estou na fase em que tento perceber qual o caminho mais fácil até casa. - Esse caminho só tu o poderás descobrir L, mas eu posso ajudar. Que tal ires vestir um vestido alegre e calçar uns saltos altos para irmos jantar e dançar até amanhã de manhã? Adoro ver-te de saltos altos, dão te um ar imponente! - disse ele olhando de forma carinhosa para mim. As suas palavras fizeram-me sentir em casa, ele sabia bem quem eu era.- Se soubesse tanto quanto sei hoje ter-te-ia pedido em casamento. - disse eu. 《Naquele dia eles dançaram até ao nascer do sol. Esgotada pelo cansaço ela tirou os saltos altos e adormeceu no seu colo, mesmo ali, num banco de jardim. Antes de fechar os olhos sentiu o conforto do seu colo e pensou que afinal até gostava do silêncio. Naqueles segundos em que os seus olhos ainda não tinham fechado ela percebeu que já havia encontrado o caminho para casa. Talvez até nem fosse o melhor, mas era sem dúvida o mais fácil.》

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