quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Finalmente nevava

Quando o telefone tocou estava prestes a adormecer. Lá fora a neve caia silenciosamente e eu, aninhada em pensamentos, dei por mim a recordar o dia em que saíste de casa com um nevão só para me dizer que eu tinha conseguido, um Deus qualquer tinha ouvido os meus insistentes pedidos. Finalmente nevava. Entramos no jipe e eu perguntei-te pelas luvas, respondeste confuso: Não trouxe, mas porquê? Disse-te sorridente: Vamos fazer um boneco de neve! Flashes daquela noite invadiam os meus pensamentos, aquele era o tempo de ser feliz. Não compreendia, mas aceitava agora mais facilmente que esse tempo fosse conjugado no passado. Por isso mesmo já nada esperava, muito menos a tua chamada nesta fria noite de Natal. Não sabia o que dizer, desejar-te um Feliz Natal já não soaria bem e com o tempo perdi o jeito próprio de falar contigo, de te chegar ao coração. Perguntei-te como tinhas o meu número, respondeste apenas que mudar o número ou a morada não muda quem eu sou e que por isso mesmo seria sempre fácil encontrar-me. Não toquei mais no assunto, eu mesma sabia que a previsibilidade que me caracterizava seria para sempre o meu ponto fraco. Disseste que não me estavas a ligar para reviver o passado, nem tão pouco para remexer no que já estava revirado, querias apenas dizer que também tinhas pedido neve a um qualquer Deus para me aquecer o coração nesta fria noite de Natal. Pediste-me que fosse à janela e disseste com ternura: Vês a neve a cair? É o meu presente de Natal para ti. Amanhã o sol voltará a raiar e a neve vai derreter, pensei. A felicidade não dura para sempre. Quem me dera que nevasse todo o ano. Vamos fazer um boneco de neve, disse-te, antes que o sol comece a raiar e eu tenha que voltar à realidade... Não te julgo, disses-te, afinal de contas, é muito mais fácil ter do nosso lado o sol que raia a maior parte do ano. Mas contigo foi sempre assim, sempre quiseste o que não podias ter. Mas quero que saibas que fiquei contente por ti quando soube que tinhas deixado de esperar que nevasse.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As tuas escolhas erradas

Hoje usei o vestido que me ofereceste. Peguei nele e disse a mim mesma, vou usar a herança que me deixou aquele traste! Não é um vestido bonito, é apagado, não me favorece e em nada dá nas vistas a não ser em evidenciar o teu mau gosto. Mas mesmo assim quis usá-lo. Confesso que fui apenas passeá-lo até ao café da minha rua. O teu mau gosto não merece ser evidenciado para além do quarteirão de minha casa. Olhava para ele com atenção e percebia que não podias jamais conhecer a tua namorada, caso contrário nunca me terias oferecido um vestido que eu ia jurar que tinha sido comprado a pensar na tua mãe. Nada contra a tua mãe, mas não estou sequer perto dos quarenta, entendes? O vestido é a prova de que nunca soubeste quem eu era. Se nunca soubeste quem eu era nunca me amaste pelo que eu sou. O problema não foi só o vestido. Nunca preferi os restaurantes caros, sempre preferi poder mandar uma gargalhada sem ter que pensar na postura. Mas optas-te sempre por reservar o melhor restaurante. O que em mim te fez pensar que era isso que eu queria? O que em mim te fez pensar que eu gostava de cheiros intensos quando todos os meus perfumes eram suaves? Nunca fui essa mulher com quem tu acreditas ter namorado. Complicaste o que sempre foi simples. Des-te muito quando sempre me contentei com pouco. Namoraste com uma mulher que nunca fui, nem quis ser. Talvez por isso tenhas desistido de mim. Apaixonaste-te por uma mulher alegre, de gargalhadas puras e cheiro suave. E deste por ti a tentar agradar a uma mulher apagada, de postura intocável e perfume intenso. E enquanto passeio o vestido de regresso a casa, sinto-me leve, finalmente leve. Não fui eu quem tu decidiste abandonar, foi a essa mulher que um dia alguém te convenceu que eu era. Eu sei quem és, talvez por isso ainda te ame. Depois de tudo e apesar de tudo. E esse tudo nunca foram as tuas escolhas erradas com os vestidos, os restaurantes ou os perfumes.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Ele não sabe esquecer e eu também não

Ele vai-te dizer que não sabe dançar, vai-se encostar ao balcão e deixar que a pista seja toda tua. E talvez tu até nem queiras. Vais insistir para que ele dance, e ele vai-te dizer vezes sem conta que os seus pés mais não servem do que para mandar uns chutos numa bola. Porque ele não te vai dizer que aprendeu a dançar comigo, para que tu não percebas que os seus passos ainda hoje só se coordenam com os meus. Ele vai-te dizer que não sabe cozinhar, não para te levar a jantar fora, mas porque ele nunca te vai dizer que o único prato que aprendeu a cozinhar é o meu prato preferido. Ele vai-te dizer que não sabe nada sobre moda e que tudo o que compras te fica bem, não por amor, mas porque não quer que percebas que ainda hoje só pensa no que fica melhor com os meus cabelos pretos, esquecendo-se que os teus cabelos são tão claros que o rosa salmão nunca te ficaria bem. Ele não te vai dizer nada que tu não queiras ouvir. Não te vai falar de mim. Não te vai contar que aprendeu a dançar por ciúmes, ciúmes dos olhares quando era eu a rainha da pista. Não te vai contar que aprendeu a cozinhar o meu prato preferido por amor, para que eu me sentisse orgulhosa por ver aquilo de que ele era capaz. Não te vai contar que não é cego e que até me sabia dizer qual a cor que mais me favorecia. Por carinho, um carinho por ti que jamais o deixará dizer-te que olha para ti e não consegue ver quem és. Ele sabe quem eu sou. Mas nega e negará quantas vezes for preciso. Porque ele quer esquecer que um dia aprendeu a dançar comigo, quer esquecer que aprendeu a cozinhar por mim e que ainda hoje sabe quem sou. Não o culpo, porque também eu ainda tento esquecer que foi com ele que aprendi a amar.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Qual de nós dois

Qual de nós dois venceu? Tu não, porque eu não fui vencida por ti, mas sim pelo orgulho. Eu também não, porque tu não foste vencido por mim, mas sim pelo cansaço. O meu orgulho não me deixou lutar por ti, o teu cansaço fez-te desistir de mim. Não é uma guerra justa. Não há guerra sem vencedor. Engraçado, acho que não travamos uma guerra um contra o outro, mas sim cada um contra si mesmo. Eu queria ter feito alguma coisa, mas o meu orgulho não deixou. Entendo também o lado dele, não se queria ferir. Tu já não conseguias fazer mais nada, o cansaço fez-te refém. E enquanto tu eras refém de um cansaço e eu não ia à luta para que o orgulho não se ferisse, a guerra que nunca chegamos a travar... terminou. E nós fizemos uma retirada estratégica. Deixaste de querer conquistar-me. Sabes o que te diria se o meu orgulho deixasse? Não precisas de lutar, toda eu ainda te pertenço. Não precisarias sequer de travar uma guerra para que de novo tudo fosse teu. É triste, é muito triste pensar assim. Por isso, talvez eu devesse agradecer ao meu orgulho nunca me ter deixado dizer-te. Afinal, todos queremos ser uma luta difícil e é sempre melhor que desistam de nós pelo cansaço do que por julgarem que quem conquista Portugal também consegue conquistar a Europa.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Um dia encontro-te e conto-te

Quando os nossos olhares se cruzam, perguntam em silêncio as coisas que jamais podem ser ditas em voz alta. Sei que um dia te vou encontrar longe da multidão, nesse dia quero perguntar-te o que é feito de ti e quero ouvir-te dizer que estiveste sempre ali. Nesse dia vou falar-te das noites em que me culpo de todos os meus erros, esquecendo-me que foste tu quem mais errou. Quero ouvir-te dizer que eu devia ter esperado por ti, para te poder responder que ainda hoje estou à tua espera. Quando os nossos olhares se cruzam a multidão conta a nossa história. Falam eles do que não viveram... Julgando o que para eles foi mais um amor falhado. Não foi o amor quem falhou, fomos nós. Aquele não era o nosso tempo. O nosso tempo é agora. Disse que um dia te encontro e nesse dia te conto, mas como te encontro hoje e te conto que esse dia é agora?

domingo, 27 de outubro de 2013

O perdão

Não me conseguia lembrar da última vez que ali havia entrado, já teria passado certamente muito tempo, mas não o suficiente como vim a perceber pouco tempo depois. Estava com uma amiga, daquelas amizades que resistem ao tempo e às circunstâncias da vida. Ela sentia-se como um peixe na água, aquele era o seu habitat, mas para mim nem as lembranças das tardes e noites lá passadas me faziam sentir minimamente à vontade. Sentamo-nos numa mesa ao fundo do café, pela primeira vez entrava no café que outrora havia sido ''o nosso café'' e não conhecia quem me estava a atender. R falou para quem nos viera atender com um à vontade que me deu de imediato a perceber que ela o conhecia. Eu, como qualquer cliente que está apenas de passagem, contrastei com a familiaridade com que ela fez o seu pedido e num tom de voz formal disse apenas: - É um café curto, por favor. R olhou para mim de forma desaprovadora e não perdeu a oportunidade de comentar: - Longe vão os tempos em que aqui chegavas e quem quer que estivesse a trabalhar sabia que querias um café curto. Não respondi ao seu comentário, nada havia para dizer. A verdade era essa, mas nem eu nem ninguém podia afirmar com certeza ter sido pior assim. Nunca ninguém disse que manter os mesmos hábitos ao longo dos anos era saudável. Estivemos ali cerca de uma hora, R decidiu ficar por lá, mas para mim já se começava a tornar aborrecido. Despedi-me de R e fui em direcção à porta, quando me estava a preparar para sair do café, vestindo o casaco que havia comprado para os dias de chuva, senti uma mão no meu braço. Virei-me de imediato, julgando ser R, afinal estava enganada. Ele continuava exactamente igual, como se os anos não tivessem passado e os dias não tivessem contado. O mesmo sorriso, a mesma barba por aparar, o mesmo brilho nos seus olhos que desta vez quase que ia jurar que estavam verdes. Tinha menos confiança no olhar, este parecia mais claro, como se estivesse repleto de água por demasiado tempo. A àgua corrói, ele deveria saber disso. - Duvidei que fosses mesmo tu L... , disse quando fixou o seu olhar no meu e percebeu que sim, estava mesmo na minha presença. - Sou eu sim, com licença. - disse de forma fria, direccionando o meu olhar novamente para a porta e continuando a andar. As minhas mãos tinham gelado e o meu coração batia acelerado. Não conseguia perceber porquê. Julguei que o havia perdoado ao longo de todo este tempo, e ali estava eu, incapaz de manter um mero diálogo ocasional. Lá fora chuviscava, não tinha trazido guarda-chuva, decidi pôr o carapuço enquanto me dirigia para o carro. O passo era lento, as gotas escassas não o exigiam apressado e o meu coração não o permitia com medo que eu mesma sufocasse. De repente, ouvi passos atrás de mim e parei. - L! - era ele. - J, por favor, o que fazes a correr atrás de mim? , - Faço aquilo que me culpei de não ter feito ao longo dos anos... - disse com o olhar fixo em mim - Não faças isto J, vai-te embora. - disse eu em tom de suplício. - Quase nem te conhecia L, pintaste o cabelo com uma cor tão escura e eu que te tenho procurado em todas as mulheres de cabelos loiros com quem me cruzo na rua... - disse J mantendo sempre o seu olhar fixo em mim. - As pessoas mudam J, e por isso mesmo não fazes nada aqui, mais não somos que dois desconhecidos que outrora se conheceram. - disse eu devagar, como se tivesse imaginado o momento em que pudesse dizer aquilo, vezes e vezes sem conta. - Ainda não me conseguiste perdoar L? - disse J - Acho que sim J, agora que estás aqui à minha frente como se estivesses arrependido de todas as vezes em que me trocaste por pedaços de noites com mulheres mal amadas, percebo que te perdoei. Não me perdoo é a mim. Não há perdão para uma mulher que se deixa enganar da forma mais ridícula e humilhante. Não há perdão para a mulher que se afasta por achar que todos no café sabem a sua história. Não há perdão para a mulher que deixa de ser quem é e pinta os seus cabelos de preto para fugir a uma identidade. Não há perdão para mim, entendes? Entrei no carro, fiz inversão de marcha e decidi conduzir, sem destino, para um lugar realmente desconhecido.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

P* e vinho verde

«À minha maneira louca, eu descobri que te amei.» Mas não bastou. Não há amor que baste quando a tua loucura te fará sempre escolher... P* e vinho verde,
um dia vais perceber que a felicidade não se paga.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Não há remédio

Ali estávamos nós, tanto tempo depois, querendo remediar o irremediável. Acho que é esse o problema de todos os que um dia se amaram, achar que ainda há remédio. Não há remédio que apague os dias de sofrimento, nem tão pouco já se inventou uma qualquer poção mágica que apenas nos lembre o que é bom recordar. Mas ainda assim nós insistimos. Não podíamos desistir sem pelo menos acreditar, uma vez que fosse, que havia remédio. E se remédio para nós não houvesse, porque não uma poção mágica? Falei-te de mim e de quem tinha agora comigo. Falaste-me de ti e de quem ias tendo a teu lado. Contei-te o que não conto a mais ninguém, contaste-me o que apenas eu consigo compreender. Perguntaste-me se estava feliz e eu respondi que sim, olhaste para mim com ar desconfiado e perguntaste logo de seguida, Se estás feliz o que fazes tu aqui, tentando remediar o passado?. Eu não queria remediar o passado, queria voltar a ele. Não queria cozer o buraco que um dia fizemos, queria novamente calçar a meia sem qualquer buraco nem tão pouco remendo. Era isso que eu queria. Mas nada disse, encolhi os ombros e sussurrei baixinho, Estou aqui porque ainda não te esqueci. Não esperavas ouvi-lo e eu não esperava dizê-lo, mas disse. Disseste que devíamos dar uma outra oportunidade ao que sentíamos. Claro que quando o disseste não pensaste em quem ias tendo a teu lado aqui e ali, de quando em vez. Mas eu pensei em quem tinha comigo, em quem tinha cozido o buraco na minha meia esquecida. Então, e pela última vez, respondi firmemente, Não, o que não tem remédio, remediado está!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Eu era furacão, tu brisa.

Eu era furacão, tu brisa. Pelo menos era assim que nos descreviam os nossos amigos. Tu a calma apaziguadora, eu a guerra constante. Em guerra comigo, em guerra com os outros, em guerra com o mundo. Hoje pergunto-me se sentirás saudades das batalhas travadas, ou se simplesmente te sentes melhor desde que encontraste a paz. Eu desligada, tu atento. Eu uma sonhadora, tu realista. E era tão diferente tudo o que nos rodeava que as pessoas tinham dificuldade em compreender o que nos unia. Mas é tão fácil de compreender a quem o vive... O que nos unia era amor. Não aquele amor arrebatador que vem do nada e consome tudo, não era desse amor que se tratava. Era o amor construído aos poucos, em bases sólidas, o amor cuidado, como tu gostavas de lhe chamar. O nosso amor era como uma flor que juntos fomos regando, tirando as ervas daninhas, deixando crescer e florescer. E o tanto que eu gosto de flores! Será que ainda te lembras disso? Às vezes pergunto-me se te lembrarás de mim quando vês uma tulipa a florescer num vaso. Dizias que era a mulher mais simples que alguma vez havias conhecido, que o meu rosto brilhava sempre que me oferecias uma flor e que gostavas de estar comigo sentados na margem do rio, mesmo que eu nada dissesse, porque jamais te cansavas de mim. Mas de repente eu levantava-me e exclamava vamos dar um mergulho! e tu incrédulo respondias L, é de noite, está frio e não temos roupa seca para vestir, não quero que te constipes! e eu enternecida com as tuas palavras dava-te um beijo na testa e corria para o rio dizendo eu vou, ficas? e tu sorrindo levantavas-te para vir ao meu encontro, dizendo que não acreditavas que houvesse no mundo alguém que fosse uma maior caixa de surpresas do que eu mesma. Eu também não acreditava que houvesse alguém que melhor soubesse cuidar de mim do que tu. Só tu sabias as fragilidades que mantinha escondidas debaixo desta máscara de mulher furacão. Sabias que mais ninguém me conhecia como tu e que se te perdesse viveria para sempre a fachada da mulher pedra. Será que não te lembras disso agora? Será que não pensas em como me sentirei sem ti para cuidar de mim? Gostava que sentisses saudades minhas, da L que sou, saudades até da minha loucura. Eu tenho saudades tuas. Saudades do teu abraço, das tuas palavras, vai tudo ficar bem L, eu estou aqui.. Mas tudo mudou, de ti nada sei. Não sei se estás bem, se és feliz, se seguiste a tua vida. Sei apenas que nunca ninguém me disse que perguntaste por mim, nunca ninguém me disse que esperavas que estivesse tudo bem comigo. Também ninguém me disse que havias encontrado alguém e eu mantenho a esperança de que ainda não tenhas conseguido amar alguém depois de mim. Repetias vezes sem conta que tinha sido comigo que havias conhecido o amor. Mas hoje eu sei que foi também comigo que sentiste o que era viver uma desilusão. Foi a mesma loucura que te fez apaixonar por mim que te levou a desistir deste amor. Hoje compreendo, sei que não é fácil amar-me. Depois de ti muitos se apaixonaram, mas nenhum foi capaz de me amar. O amor conheci-o contigo, a teu lado. Conheci-o quando dávamos as mãos e de repente eu soltava a minha mão da tua e gritava não me apanhas! enquanto corria... Mas um dia soltamos as mãos e eu não corri, fiquei perplexa a olhar para ti enquanto lágrimas escorriam dos teus olhos. Desta vez foste tu quem correu, pedindo que não te tentasse alcançar. Até hoje de ti nada sei a não ser a certeza de que foste capaz de correr sem travar nenhuma batalha. Eu batalhei muito, batalhei contra mim mesma e até contra a minha própria loucura. Quem sabe um dia não voltemos a dar as mãos, nem que seja uma última vez, para que eu te possa dizer que nunca ninguém foi capaz de segurar a minha mão de forma tão firme! Talvez porque nunca ninguém foi capaz de compreender a minha loucura...

terça-feira, 28 de maio de 2013

Um homem

Lá fora chovia. L, encostada ao vidro do café, via as pessoas correrem apressadas, com vidas cheias e assuntos pendentes. L mantinha-se ali, como se na sua vida nada estivesse por fazer, como se não houvesse ninguém à sua espera, como se não houvesse algures alguém com quem ir ter. Bebia um copo de café americano quente, era a sua tentativa de aquecer um pouco o coração. Como num passo de magia, alguém se aproxima. (...) Não foi assim que nenhum dos dois imaginou o dia do seu reencontro. Esperava-se um forte bater do coração, um friozinho na barriga, borboletas no estômago. Mas nada disso aconteceu. Foram namorados nos seus áureos tempos do secundário e havia sido a primeira grande e arrebatadora paixão das suas vidas. Acabou inesperadamente e cada um havia seguido o seu caminho, três anos depois ali estavam eles, numa mesa de um café perdido no centro da cidade onde outrora percorreram as ruas de mãos dadas e corações entrelaçados. - E as coisas contigo, está tudo bem? - Perguntava J enquanto colocava o açúcar no chá que havia pedido. - Acho que foi por isso que não deu certo. - Disse L concentrando o olhar no seu copo de café americano. - Não percebi, apenas te perguntei como estavas L... - Disse J confuso quanto à afirmação proferida por L. - Não é isso, é o chá. - Respondeu L. - O chá? - Perguntou J ainda mais confuso. - Desejei tantas vezes que fosses um homem de café e não de chá. Um homem de cerveja gelada e não de água natural. Um homem, apenas isso. Houve um constrangedor momento de silêncio e numa tentativa de fugir às cruas palavras de L, J disse: - E o que fazes tu aqui sozinha? - J evitava beber o chá que havia pedido. - Cansei-me de chorar sozinha e vim chorar para o meio da multidão. - Afirmou L com voz cansada e olhar perdido. - O que se passa L? - Perguntou J preocupado. - Uma relação falhada J. - Disse L envergonhada. - Falhada porquê? - J estava curioso quanto ao que ouvia. - Traição... - Uma lágrima escorreu do olhar de L que fixava a mesa. - Não precisas de falar, mas se quiseres desabafar não estás sozinha, eu estou aqui. - Disse J tentando aliviar um pouco a dor que sabia que L estava a sentir. - Obrigada...- Disse L não conseguindo deixar de se sentir completamente perdida. - Não agradeças, só acho que devias saber que é isso que acontece quando se procura muito mais café e muito menos chá. L olhou novamente pelo vidro molhado que a separava da multidão que corria apressada por entre as gotas de chuva. E pensou no quanto gostava de se ter apaixonado pelo jeito de chás de um senhor como J e não por um homem de cervejas geladas como R. Mas a verdade é só uma, não era de um senhor que L precisava, mas sim de um homem.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A conversa

Entrei distraidamente no café da minha rua, doía-me a cabeça da noite anterior, tinha bebido mais do que seria capaz de suportar. Lá fora chovia e o dia frio e escuro deixava-me com uma expressão demasiado apagada. Sentei-me numa mesa logo à entrada, pedi um café curto e comecei o ler o meu signo da semana na revista que trazia comigo. Subitamente oiço alguém dizer o meu nome e levanto a cabeça, reconhecera a voz, mas precisava de ver para conseguir acreditar.

-T! - Exclamei surpresa.
-Como estás?
-Bem e tu?
-Também. Estás sozinha? Posso sentar-me?
-Sim, senta-te.

T pediu um café e uma garrafa de água.

-Estás diferente L, mais bonita, o que eu não acharia possível.
-T, por favor, queres mesmo que acredite nisso?
-Porque não?
-Olha para mim, estou com uma camisola que roubei ao meu pai, com o cabelo apanhado e sem maquilhagem que disfarce as horas de sono a menos.
-Vistas o que vestires, com ou sem maquilhagem, serás sempre uma mulher bonita.
-Obrigada T...

Houve uns longos minutos de um constrangedor silêncio, até que T ganhou coragem para falar.

-Se te convidasse para jantar, aceitarias?
-As coisas mudaram durante este tempo em que não falamos... Eu namoro, não posso aceitar, mas obrigada.
-Namoras? - Perguntou T em tom de incredulidade.
-Sim. Porquê tanta admiração?
-Não acreditaria se não o tivesse ouvido de ti. Conheço-te bem de mais para saber que ontem bebeste uns copos a mais, hoje acordaste com dores de cabeça e vestiste a camisola do teu pai para não teres que combinar nada com nada. A tua vida não mudou muito para quem assumiu um compromisso.
-Eu disse que namoro, não disse que tinha deixado de ter vida social.
-Eu sei, mas será preciso dizer-te novamente que te conheço tão bem que sei que apenas bebes quando a tua vida está demasiado solitária? Quando te cansas do que te rodeia e...
-Não é bem assim! - Interrompi - Talvez não me conheças assim tão bem.
-Conheço sim. Sei também que gostaste muito de mim, mesmo que nunca o tenhas admitido. Mas isso eu percebi demasiado tarde.
-Quem te disse isso enganou-te T.
-Há coisas que não precisam de ser ditas L. Repensa o meu convite para jantar.
-Já te disse, eu tenho namorado.
-Eu sei, eu estou a dizer que podes ter muito mais que isso. Podes ter alguém que seja o suficiente para que deixes de ter estes dias em que achas que vestir a camisola do teu pai e vir sozinha para o café da tua rua basta, porque não basta, muito menos para uma mulher como tu.
-Eu acho que o que basta é desta conversa, tenho que ir.
-L, nem tu acreditas nesse namoro, eu vejo isso nos teus olhos.

Levantei-me, peguei na revista que havia deixado aberta na página dos signos e disse:

-Então devias conseguir ver também que não acredito em ti. Prefiro o meu namoro de Sábado à noite do que as tuas conversas ilusórias de toda a semana.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Nós, mulheres.

Li recentemente um estudo cientifico que comprovava que nós mulheres temos uma grande capacidade para fazer várias coisas ao mesmo tempo. Depois de uns longos minutos debruçada sobre o mesmo cheguei a uma conclusão que adivinho ser a chave para as questões que atormentam a minha cabeça: Se nós mulheres temos essa dita capacidade para fazer várias coisas ao mesmo tempo, não será então normal que haja mulheres que conseguem gostar de vários homens ao mesmo tempo? É o primeiro namorado, porque todas nós sabemos que não há amor como o primeiro, é o ex-namorado porque quando o namoro acaba ficamos com uma estúpida sensação de que era o homem das nossas vidas, e é o actual que nos vai preenchendo o tempo e o vazio do coração... e ainda há aquele vizinho que joga ténis com quem apenas nos cruzamos no elevador e nunca trocamos mais do que um simpático bom dia, mas ficamos sem jeito de cada vez que o vemos. Numa hora conseguimos pensar em todos eles, agrupá-los, classificá-los e ainda falar deles com as amigas. Falamos em aquele que é o amor da minha vida, em o meu primeiro amor, em o tal que me deixa sem jeito e depois um pouco mais à frente na conversa referimos o meu namorado. É aquilo a que se chamaria um coração e uma mente demasiado ocupados. Em conversa com as amigas diriam: Eu só gosto do meu X, vamos casar e sei que seremos muito felizes. Mas, quando a primeira confessasse que não esqueceu o ex-namorado, choveriam confissões de outros amores. Talvez não devam ser considerados amores, mas nós mulheres chamamos-lhe assim. Talvez porque queremos que entendam que estamos a pensar com o coração, e que deixaremos essas histórias por lá. E deixamos mesmo, provando que não fazemos uso da nossa tão conhecida capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo.





domingo, 24 de fevereiro de 2013

Agora que foste embora.

Ali estavam eles, na esplanada a que outrora chamaram o sítio do costume, à hora que em tempos apelidaram de a mesma de sempre, mas desta vez por razões nunca antes mencionadas.

-Obrigada por teres vindo J.
-Não devia estar aqui M.
-Eu sei que é complicado perceber a atitude que eu tomei e...
-Não me digas que depois de me teres deixado um ano em vão à espera de qualquer notícia tua me decidiste pedir dez minutos de fama para te justificares!
-Não é bem isso, eu fui clara na altura, e gostava de ter bem mais do que dez minutos.
-Esperei um ano por este dia, acho que posso esperar meia hora...
-Sem ironias, só te queria pedir desculpa.
-Não, espera, repete por favor. Tu pedir-me desculpa a mim?
-Sim, desculpa ter-te magoado.
-A que devo esse pedido de desculpas mais atrasado do que correspondência em tempos de guerra?
-Eu percebi que não posso magoar as pessoas, percebi que não posso passar por cima de ninguém e...
-M, por favor, se decidires lançar-te em pedidos de desculpa retardados a todos os homens que magoaste na vida acho que podes fazer disso profissão a tempo inteiro!
-Pára! Não percebes que mudei? Não vou entrar nesse jogo de sarcasmo.
-Tu mudaste e eu também, por isso mesmo não esperes que aceite esse pedido de desculpa.
-Tudo bem, eu compreendo, só achei que deveria fazê-lo.
-Achaste bem, mas tenta com todos os outros otários que manipulaste, não vai funcionar comigo.
-Estás a ser cruel! Eu não manipulei ninguém, eu nunca te prometi nada! E peço-te que não me fales assim, porque eu também tenho sentimentos.
-Deve ter acontecido um milagre lá pela tua rua para alguém ter conseguido despertar sentimentos dentro de ti.
-Bem, acho que já disse tudo o que queria.
-Magoaram-te, não magoaram M? Magoaram-te e muito. Mais tarde ou mais cedo acabaria por acontecer, tu própria sempre soubeste como acabam as pessoas como tu.
-Sozinhas.
-Não, magoam a vida toda até se apaixonarem por alguém que normalmente é pior do que elas. Quando finalmente estavas disposta a fazer as coisas bem provaste do teu próprio veneno.
-A conversa acabou, posso ter provado do meu próprio veneno mas não faço questão de provar do teu.

M levantou-se, virou costas e foi-se embora. J fechou os punhos, num ataque de fúria contra si próprio que tentava a todo custo controlar. Esperou um ano por aquele dia, tinha pensado em mil coisas que lhe queria dizer, em mil formas de a fazer perceber que não houve um dia em que não tivesse pensado nela. Mas a mágoa acumulada durante todo esse tempo falara mais alto. Levantou-se, atirou com uma moeda para cima da mesa e correu pelo mesmo caminho que a vira partir na ânsia de a encontrar algures numa rua daquela cidade para finalmente lhe poder dizer eu desculpo-te, porque te amo mais do que alguma vez serei capaz de te odiar. Mas, tal como o ano que passara à espera daquele dia, a busca foi em vão, nem sinal da presença de M.

Exausto e desanimado sentou-se nas pedras da calçada e desejou, do fundo do coração, que a dor que M trazia no coração aliviasse e que ela não passasse por tudo o que um dia o fizera passar a ele.

                                     Afinal, quem disse que está tudo no sítio certo?

domingo, 6 de janeiro de 2013

«Quem nasce jacaré jamais chega a crocodilo!»

Vamos falar sobre o que aconteceu? Talvez este não seja o momento, agora que sei que voltaste para a tua ex-namorada, quero eu dizer, a tua ex ex namorada, ou lá como se possa chamar àquela que era tua ex-namorada quando ainda era eu a tua namorada... bom, não interessa! Não estou aqui para te criticar meu querido, quem sou eu para o fazer? Quando o nosso namoro acabou também não fiz questão de te guardar respeito nenhum (a verdade é que ainda hoje não guardo...). O respeito que eu guardo pelas pessoas é sincero, vem cá do fundo do coração, entendes? E tu apenas tens lugar num canto do meu cérebro, aquele onde os entendidos na matéria dizem que se armazenam as memórias. Tu és uma memória, ou várias... E as memórias são passado e o passado é como uma meia rota que se guarda no fundo da gaveta com preguiça de cozer... mas, e porque o facto de te ter visto com aquela que (curiosamente!) seria a última pessoa com quem voltarias a ter alguma coisa, (peço-te desculpa por estar a citar palavras tuas, não quero de maneira nenhuma roubar-te os direitos de autor sobre elas!) me fez pensar na pessoa que tu és, dei-me conta que há coisas que gostaria de te dizer e que guardo cá dentro à demasiado tempo! Vou, portanto, vomitar palavras, pode ser que assim desenjoe de lembranças que já passaram de validade à muito! Tu és ridículo, e não estou tão pouco a falar do teu caso com essa rapariga que fez de ti um chinelo na vida dela, até porque acho que nasceste mesmo para ser usado, visto que fazes questão de repetir a dose. És ridículo porque eu dei-te tudo,  não estando sequer a falar dos bens materiais, porque esses a mim não me fazem falta, estou a falar da atenção, do carinho, do companheirismo, do apoio, do amor! Dei-te porque quis, porque achei outrora que era amor o que nos unia, porque fui ingénua! Não me arrependeria de o ter feito, nem mesmo depois de me teres apagado completamente como pessoa durante esses dois anos de namoro, acredita que não, porque a minha palavra não é como a tua, não vira conforme a maré... Apenas te tenho a dizer que o que dizes de mim aos teus amigos de copos não me interessa. A tua falta de chá não me interessa, até porque já nem chamaria a isso falta de chá mas sim falta de berço. Se fosse só o chá ainda ias a tempo de o beber, o problema é que o berço já ninguém vai a tempo de to dar. Aprende uma coisa, de cada vez que falas mal de mim estás-te a auto apelidar de otário, porque se eu de facto sou tudo isso que dizes o que estavas então tu a fazer a meu lado? Como te disse e repito, és ridículo. E desculpa a minha falta de gentileza, mas tinha mesmo que desenjoar de tudo o que está a acontecer...

Cresci a ouvi dizer, quem nasce jacaré jamais chega a crocodilo!

Assim me despeço de ti, meu ex jacaré.